Saturday, November 21, 2009

O que é RPG

Este é um texto antigo, da época em que ainda se jogava pedra...

{com pequenas atualizações entre chaves}

“O que é RPG?”

Essa frase ainda não é encontrada todo o tempo, nas várias situações em que se poderia encontrá-la, nos diversos lugares e a qualquer instante. Ela não é tão comum quanto frases como “Você sabe quem ganhou o jogo ontem?”; “Aquele tal de ………[preencha com o programa de TV à sua escolha] é uma merda mesmo, ein? Você viu que baixaria?” e “Essa nova …… [preencha com a casa noturna, clube ou sala de bate-papo à sua escolha] é fantástica!” ou mesmo frases como “O que que é isso, gente! Você viu só? Essa tal de …… [preencha com o nome da personalidade, proposta de governo ou outras cosas más à sua escolha] vai acabar com tudo!!” 
Normalmente, nos vemos frente a frente com essa frase em livros de RPG, quando existem algumas pessoas jogando RPG e alguém se interessa e pergunta: – O que é RPG? E em cada livro e cada jogador responde à sua maneira. Um jeito bem simples, fácil de começar é falar o que significa RPG. Bem, RPG é uma sigla que, em inglês, significa Role Playing Game. No Brasil, se tenta traduzir como Jogo de Personificação, Jogo de Interpretação ou Jogo de Representação, mas eu acho é que a gente podia falar mesmo Jogo de Faz de Conta. É isso! O RPG é um jogo onde as pessoas fazem de conta. Elas se imaginam em um outro lugar, em outras situações. E, nessas situações, elas fazem de conta que são uma personagem, como um ator num programa de TV, num filme ou numa peça de teatro. Mas, diferente de um ator numa peça, as pessoas podem escolher sua personagem. E, diferente de ter um roteiro fixo escrito por um autor como é, normalmente, o caso na TV do cinema e do teatro, temos um roteiro aberto no que costumamos chamar aventura de RPG. Um dos jogadores tem um papel parecido com aquele dos diretores e roteiristas. Ele desenvolve o ambiente onde se passam as aventuras, as situações pelas quais as personagens passarão e tem o papel de coordenar e dar o desenlace das ações das personagens, na medida em que elas vão ocorrendo. Esse jogador é chamado mestre de jogo. Os [outros] jogadores tem, normalmente, uma grande participação na elaboração da sequência dos acontecimentos do jogo, do que seria o roteiro. Eles fazem de conta que são as suas personagens e decidem o que elas fazem, eles tentam imaginar como elas agiriam e reagiriam à cada situação. Ao inventarem suas personagens, cada jogador tenta criar as motivações dela e tenta principalmente, no desenrolar do jogo, fazer com que ela aja de acordo com aquilo que ele imaginou, que a personagem aja de maneira coerente com o modo que o jogador a criou. O mestre de jogo tem ainda o papel de representar, de fazer de conta que é cada uma das outras personagens da história que são encontradas pelas personagens dos jogadores, que participam da história nas situações mais diversas. O mestre de jogo também deve representá-las da melhor maneira possível, para que a história se torne mais interessante e todos se divirtam à beça. Bem, isso é o que eu acho que é RPG. Pessoas reunidas se divertindo! Como vocês podem imaginar as possibilidades são infinitas, podemos ter os mais variados tipos de personagens nas mais variadas situações, em situações onde as personagens se sentiriam em casa, fazendo o que elas costumam fazer normalmente; ou em situações onde elas se sentiriam como um peixe fora d’água onde tudo seria novo e, talvez, maravilhoso.

 Depois dessa explicação que, devo admitir, foi um tanto geral e mesmo lúdica - mas é esse mesmo o espírito - podemos falar um pouco sobre a história do RPG.


Bem, desde a época em que se contavam histórias e as pessoas se imaginavam no papel de alguma personagem das histórias admiráveis que ouviam, podemos dizer que estava presente a semente do RPG. Sempre houve pessoas que já se imaginaram ou mesmo imaginaram uma outra personagem fazendo o papel de algum herói, de uma heroína ou até de um vilão ou uma vilã, de algum personagem mitológico ou personagens de fábulas e romances, de alguma história, afinal, que tenha escutado. Podemos pensar no RPG como um jogo que nos permita compartilhar esses sonhos, onde pessoas colaboram para as histórias de seus personagens ficarem mais divertidas, se tornem ainda melhor. Um jogo onde todos participantes são contadores de histórias.
O RPG na forma em que conhecemos hoje, todavia, nasceu em meados da década de 70 nos EUA. Seus “inventores” foram Gary Gygax, Dave Arnesson e outros, mas foi o Gygaz que no início da década de 70 desenvolveu o que podemos considerar um proto-RPG, o Chainmail. Era um jogo de miniaturas, um “wargame”, um jogo de estratégia como tantos outros da época. Mas, nessa época, Gygax já pensava num jogo onde algumas das miniaturas do jogo de estratégia teriam um papel especial no desenrolar do combate. Eles seriam heróis e poderiam mudar as chances de vitória do seu exército e, quem sabe mais tarde, ter seus próprios exércitos. Estes heróis seriam os personagens de um RPG onde seus filhos e alguns de seus amigos faziam de conta que eram um ou outro herói. Ele tentou, sem sucesso, vender essa idéia para algumas companhias, principalmente a Avalon Hill que publicava o seu Chainmail e para quem ele trabalhava em muitos projetos, inclusive desenvolvendo “play-by-mail” uma maneira de se jogar os jogos de estratégia por correspondência. Em 74, fundou com seu amigo Don Kaye a TSR – Tactical Studies Rules – onde publicou seu Dangeons & Dragons, o primeiro RPG, baseado nas suas idéias anteriores. Era um livro de aproximadamente 150 páginas onde se encontrava um sistema de regras para dar o resultado das ações dos personagens que participavam nas histórias em um mundo de fantasia – com seus elfos, anões, trolls, humanos, goblins e dragões e uma centena de outras criaturas míticas – criado por Gygax e outros amigos. A TSR, no primeiro ano, vendeu 1.000 cópias do D&D. Nos anos seguintes, entretanto, a companhia que, em 1975, vendeu $50,000, duplicava sua venda nos próximos anos e em 76, 77 e 78 vendia, respectivamente, $300,000, $600,000 and $1,200,000 em diversos livros que publicava cada um, em média, custando $10. Alguns desses eram suplementos contendo a descrição de novos lugares onde poderiam se passar as aventuras dos personagens, outros com aventuras já prontas para serem jogadas e também outros com as mais diversas criaturas para povoar esses lugares, esses mundos imaginários. 
Depois do lançamento do D&D, muitas empresas entraram nesse mercado, na sua maioria empresas já há muito no ramo de jogos, e cada uma lançou seus mundos próprios e seus próprios sistemas de regras. Marc Millar lançou em 77, pela empresa GDW, o jogo Traveller um dos primeiros, talvez o primeiro jogo num ambiente de ficção científica. Greg Stafford lançou, em 78 pela Chaosium, seu Runequest. Um jogo passado em um mundo próprio de fantasia, mas que também poderia ser jogado tendo como ambientação uma versão mítica da europa. No fim dos anos 70 já estava pronta a nova versão, na verdade uma evolução do D&D, convenientemente chamada AD&D (Advanced Dungeons and Dragons), que tinha Greyhawk como seu mundo próprio de fantasia e adaptações de suas regras para outros cenários onde era comum o uso de armas de fogo e outros tantos como um mundo pós-apocalíptico povoado por animais e plantas inteligentes. Essa foi a primeira edição do AD&D, cujas regras e quase todos os suplementos foram ainda escritos por Gygax.
Nos anos 80 a proliferação do RPG foi ainda maior. Em 1981, Kevin Siembeda fundou a Palladium Books e, depois de pedir empréstimos por aí e receber $1.500 da mãe de um amigo seu mais abonado chamado William Messner Loebs, lançou seu Mechanoids um jogo de ficção científica publicado em 3 partes no formato de revista em quadrinhos custando mais ou menos $4. Ele então escreveu e publicou em 83 o Palladium Fantasy RPG, com um sistema baseado nas suas “house rules” regras adaptadas que ele usava em campanhas também criadas por ele. A Chaosium lançou, ainda em 83, um jogo de horror chamado Call of Cthulhu baseado nas histórias de H.P. Lovecraft. A Iron Crown Enterprises lançou seu MERP – Middle-Earth Role Playing Game – baseado na obra de J.R.R. Tolkien em 84 {hoje temos a versão CODA das regras para a Terra Média}. A ambientação e os personagens de praticamente cada filme e cada romance já escrito foi adaptada para um determinado sistema de RPG. Os personagens de quadrinhos mais populares não foram excessão, tanto a Marvel quanto a DC lançaram seus sistemas de regras e muitos suplementos pela TSR e pela MayFair {posteriormente pela West End Games}, respectivamente. No fim da década de 80, Steve Jackson lançou um sistema de regras para se jogar RPG a princípio compatível com qualquer cenário, qualquer ambientação e qualquer tipo de personagem, ele criou o GURPS. Nos anos 80 foram também criados os primeiros jogos “adventure” para computador {semelhantes aos livros-jogo de RPG}, nos quais se fazia de conta que se estava em determinadas situações descritas a princípio pelo programa de computador e tinha-se a disposição uma número limitado de ações alternativas para se tomar, ou se seguia para uma direção – norte, sul, leste e oeste – ou se tentava pegar alguma coisa que estava descrito no cenário onde se estava ou se interagia com um personagem que estivesse descrito lá. Nos primórdios, os RPGs de computador eram só em texto! Não tínhamos gráficos com personagens variados nem diversas paisagens, havia um limite de memória e processamento, eles ocupavam menos de 10K!! e, ainda assim, eram às vezes bastante interessantes, divertidos! No fim dos anos 80, surgiu a segunda edição do AD&D com um conjunto novo de regras, ainda bastante próximo das regras da primeira edição, cuja base foi escrita por Monte Cook, David “Zeb” Cook e Steve Winter. Nessa época, a TSR já era uma imensa corporação e já havia comprado da esposa de Gygax, depois de um divórcio nada amigável, todos os direito sobre o material escrito por ele. 
No início dos anos 90, a TSR ainda era a maior companhia de RPG, nenhuma outra vendia ou publicava tantos livros quanto ela e aparentemente nenhuma fazia mais dinheiro que ela. Nessa época surge a White Wolf uma empresa que viria a modificar a indústria de RPG, tanto na parte editorial quanto nos conceitos de ambientação de seus jogos. No primeiro aspecto, por utilizar o conceito que a aparência e a embalagem conseguem vender um produto. A partir da segunda edição de seu Vampire The Masquerade, ela usava em seus livros ilustrações fantásticas dos melhores ilustradores que havia no mercado, inclusive do mercado americano de quadrinhos que acabara de apresentar alguns dos maiores e melhores artistas do meio – e eu não estou falando da Image, que só surgiria alguns anos depois da fase de platina a qual me refiro, o fim dos anos 80 –. Com relação à ambientação, em seus jogos surgia uma mitologia nova, reelaborada que remetia ao mesmo tempo à mitologia clássica – algumas vezes até à Babilônia – e aos personagens dos romances góticos. Os personagens dos jogadores estão mais para seus heróis trágicos, vivem num “World of Darkness” mundo sombrio e são criaturas da noite como Vampiros e Lobisomens, uma herança merecida dos anos 80. No final da década de 90, a TSR é comprada pela Wizards of the Coast. Ela era uma empresa que já havia tentado, sem muito sucesso, isto é, sem muito lucro, entrar no ramo dos RPGs. Ela queria fazer um investimento em RPGs que desse uma certeza de lucro. A WoC é a empresa de Richard Garfield  criador do fenômeno Magic the Gathering, um CCG “Collectible Card Game”, que vendeu e deu lucro de bilhões de dólares desde meados da década anterior. Esse jogo surgiu, mais ou menos, na mesma época que os Jogos da White Wolf. A WoC aumentou o preço de todos produtos que a TSR publicava alegando que alguns deles davam até prejuízo, que custavam mais para a empresa do que seu preço de venda. Foi o fim do RPG lançado em lindas caixas e de livros com capas de plástico duro, em alto relevo, imitação de couro e que custavam $25.  
Algum tempo depois de ter comprado a TSR, A Wizards of the Coast se funde, ou melhor, é absorvida pela maior coorporação que fabrica jogos infanto-juvenis dos EUA, talvez no mundo. Com a virada do século surge o D&D terceira edição, meses depois já superada pela edição 3.5. Esta companhia decide chamar o jogo de D&D ao invés de AD&D porque, a seu ver, o nome Advanced criava um obstáculo ao contato com o jogo por parte dos iniciantes, aqueles que não conheciam RPG. Ela fala que seu novo jogo é a terceira edição do Dungeons & Dragons, mas jamais houve uma segunda edição desse jogo. A meu ver, o D&D terceira edição não está muito próximo também do AD&D, nem da primeira nem da segunda edição, apesar de seus autores alegarem, numa jogada publicitária, uma proximidade, principalmente, com o material da primeira edição. Talvez ele esteja mais próximo mesmo do chainmail, o velho jogo para miniaturas do Gygax {também relançado e "aperfeiçoado"}. A WoC possui os direitos sobre os diversos mundos criados em toda história da TSR, desde Greyhawk até Birthright e, atualmente, publica algumas reedições, ou retornos, onde novos personagens voltam ao cenário das maiores aventuras lançadas na época da primeira edição. Consideram seu novo sistema D20 como sistema genérico, adequado para os mais variados tipos de cenário. O novo sistema D20 está bem próximo de ser uma ferramenta que implementa um fluxograma para gerenciar jogos de aventura de computador e, com ele, o RPG a meu ver se aproxima do que poderíamos chamar de um de seus derivados. Não me surpreendeu nem o pouco o fato de um dos primeiros cenários a ser adaptado para D20 ter sido o Diablo II – talvez o que ocorreu foi na verdade o contrário –, cujos direitos talvez pertençam à mesma mega-coorporação que absorveu a WoC.

 Hoje em dia, sinto que ninguém quer ir de encontro ao gigante e a correnteza do rio que se forma. O D20 está à disposição de todos que quiserem utilizá-lo como o sistema de sua campanha, e não somente para campanhas caseiras. As outras empresas, com o devido acerto legal sobre os royalties, podem adaptar qualquer cenário, qualquer mundo, para o sistema D20. Todos, é claro, também querem ter lucro. Mas se esquecem que nesse tipo de negócio é lóbvio que o gigante leva a maior parte, ou mesmo todo, o lucro. Se não fosse ele a ganhar a maior parte, a princípio, o gigante nem proporia o negócio. Antes, havia uma grande empresa, mas havia ainda espaço para outras companhias publicarem suas idéias que, muitas vezes, eram muito boas. Hoje, há um imenso monopólio por parte da WoC e seu D20 e parece que todos se curvaram a ele. Toda resistência, toda vontade de se fazer algo novo e revolucionário desapareceu. Espero que, ainda assim, haja espaço para todos, e os pequenos não acabem sendo devorados. Infelizmente, estou certo que isso é bastante difícil de acontecer. Uma herança, talvez merecida, dos anos 90. {Não sei se todo ou quase todo o lucro dos livros feitos para D20 ficaram com a WoC, mas posso falar que os melhores livros publicados não foram editados por ela, apesar disso, ou melhor, por causa disso já estamos na quarta edição do D&D, com diferentes direitos de uso}.


Pessoalmente, acho que cada sistema é adequado a um tipo de história que se quer contar. Não existe o sistema perfeito, que funcione perfeitamente em todas as situações, a cada momento e a cada ação dos personagens do jogo. Que dê, enfim, o resultado que se espera para cada ação no jogo. O tipo de divertimento que cada jogador e cada grupo de RPG procura é também único e devemos procurar o sistema mais adequado para que os membros do grupo se divirtam. Entretanto, cada grupo pode se divertir à sua maneira. O mestre pode mudar as regras e deve adaptá-las para o seu jogo, mas pode tentar também encontrar um sistema que seja bem melhor, melhor até que o recomendado pelas editoras, para o seu grupo, para seu jogo. Pode até tentar criar seu próprio sistema. Para mim, um bom sistema é aquele que permite que cada característica, vantagem e desvantagem tenha, em jogo, o valor que o próprio sistema dá para a respectiva característica e onde cada ação seja tão fácil ou difícil de ser realizada quanto suas regras impõem. Se ele é feito desta forma, ao ler o sistema compreendemos para que ele serve, quais os tipos de personagens serão mais ou menos comuns e quais ações ocorrerão com maior frequência, quais terão maior ou menor chance de acontecer e, assim, poderemos saber se determinado sistema é o sistema que procuramos, aquele que ajudará nossa história a ser mais divertida e bem contada. Para que insistir em jogar usando um sistema que deve ser quase totalmente modificado para que fiquemos satisfeitos com o resultado? Talvez haja um sistema melhor para se jogar um determinado jogo; quer seja no gênero ficção científica, horror, humor ou mesmo de fantasia e isso quase sempre é o que ocorre se procurarmos o bastante ou criarmos nosso próprio sistema “perfeito”.

Grandes jogos, muita diversão para todos e até a próxima.


Kairam “Ondotano”